O primeiro domingo da Quaresma traz à baila o episódio da tentação de Jesus no deserto. Quaresma, tempo bendito de uma revisão espiritual, de retorno incondicional a Deus na preparação para acolher o mistério da Páscoa. Dias preciosos para uma reflexão profunda e serena sobre as verdades que beatificam e salvam. Cristo vai ao deserto, lugar sublime do reencontro com o Ser Supremo como se deu um dia com Moisés face ao Eterno lá no monte Horeb. Jesus, enquanto homem, quis estar numa tertúlia com o Pai e mostrou o valor do jejum e da prece como meios privilegiados desta aproximação. O deserto é ainda um lugar de provação. O povo hebreu nele marchou durante 40 anos e experimentou fome, sede, hesitações. Jesus, porém, triunfa do Maligno que ele vencerá definitivamente mais tarde com sua morte e ressurreição. No fundo de toda tentação diabólica está um desejo desregrado qualquer. É uma situação normal que seres humanos estejam sempre carentes, necessitados de algo. O problema é se escravizar a tais anelos sem saber diagnosticar o certo e o errado, a verdade e o erro. Muitos podem até se tornar epicureus submissos ao prazer pelo prazer. Daí todo tipo de desordens no excesso na alimentação, na busca do que é supérfluo, na ganância de se acumular riquezas, enfim, em todo tipo de desregramento. Cumpre, por isto, estar vigilantes, monitorando os anseios mais recrescentes. Para tanto mister se faz invocar o Espírito Santo que dá discernimento, fortaleza, levando a vitórias fulgurantes contra o mal. Então o cristão domina as necessidades e não fica a reboque das mesmas. Como bem asseverou o Apóstolo Paulo: “Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela” (1 Cor 10,13). Cumpre ao cristão tirar proveito das tentações. São Bernardo explica por que Deus permite que o maligno tente o batizado. Em primeiro lugar para que neste combate espiritual o discípulo de Jesus, a seu exemplo, humilhe satanás. No paraíso ele derrubou Adão e anela sempre amarrar cada ser humano ao domínio de seu poder para tomar posse de quem não lhe resiste. « Afasta-te espírito maligno » deve ser sempre a ordem do epígono de Cristo. Em segundo lugar ao triunfar sobre o demônio o cristão glorifica os anjos, repetindo o gesto glorioso de São Miguel e seus sequazes fiéis a Deus, e corresponde às boas inspirações do Anjo da Guarda e demais espíritos celestes que querem arrastar cada um para o bem. Finalmente, vencendo o diabo o batizado adora a Deus não com palavras mas com obras, demonstrando fidelidade total ao Ser Supremo. Para tanto é preciso muita oração, mortificação, fuga das ocasiões de pecado. Tripé sagrado que conduz, inexoravelmente, à vitória, dado que Deus nunca nega sua graça poderosa àquele que se dispõe a não ceder às insinuações do espírito das trevas, imitanto sempre a Jesus. Para que o cristão não desanime quando se sente tentado é preciso que ele se lembre do que diz o livro de Jó : “A vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7,1), tendo Jesus complementado :”Entretanto, aquele que perseverar até o fim será salvo”(Mt 24,13). Na pugna contra o mal a pior atitude seria o desânimo. A Josué Deus disse : “Sê firme e corajoso” (Js 1,6). É preciso uma confiança total na graça divina, repetindo com o salmista : “Com o auxílio de Deus faremos proezas, ele abaterá nossos inimigos” (Sl 59,14). Nunca se deve esquecer que se lê na Carta de São Tiago : « Feliz o homem que suporta pacientemente a tentação, porque depois de ter sido provado, receberá a coroa da vida que o Senhor pormeteu aos que o amam ! ( Tg 1,12).
Este Apóstolo havia dito :« Considerai que é suma alegria, meus irmãos, quando passais por diversas provações, sabendo que a prova da vossa fé produz a paciência. Mas é preciso que a paciência efetue a sua obra, a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma » ( Tg 1,2-4). Como Jesus saibamos sempre vencer satanás e suas tentações !* Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008.