Uma das belas diretrizes de Cristo é, sem dúvida, esta: “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Perseverai no meu amor” (Jo 15,9). Cumpre, de plano, refletir sobre o amor do Pai por Jesus, seu Filho amado. O próprio São João escreveria mais tarde que “Deus é amor” (1 Jo 4,8). Deus não é um Ser solitário no céu, nem tão pouco Ele é uma projeção do super ego do homem, ou seja, da instância da personalidade formadora de ideais humanos. É uma Trindade de Pessoas unidas, desde toda a eternidade, pelo vínculo de um amor infinito. Aí o fundamento da assertiva de Cristo que lança cada homem ou cada mulher numa verdade maravilhosa, inimaginável, ou seja, a criatura racional é transportada para o reino do amor trinitário e passa a pertencer à verdadeira família de Deus. Revelação impressionante e consoladora! Entretanto, em seguida, Jesus mostra como viver esta realidade: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (v. 10). Isto foi bem decodificado por São João: “Aquele, porém, que guarda a sua palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. É assim que conhecemos se estamos nele” (1 Jo 2,5). De fato, prova-se o amor não por meio de vocábulos, mas pelas obras. Já ensinava o Teólogo do Amor: “Não amemos por palavras nem apenas pela língua, mas com ações e em verdade” (1 Jo 3,18). É que a verdadeira dileção é afetiva e efetiva. Sob o ponto de vista da afetividade cumpre atos de complacência, de conformidade com a vontade de Deus, de amizade íntima com o Ser Supremo, de mútua entrega, de união profunda com o Sumo Bem. Como o sol entre as estrelas, tal atitude lança sua claridade e sua formosura em todas as atividades humanas. Para se chegar a este estágio cumpre, outrossim, o amor efetivo traduzido num arrependimento sincero de todas as faltas contra os Mandamentos, numa fuga corajosa de todas as ocasiões perigosas que poderiam afastar o cristão de seu Senhor. É preciso também o exercício contínuo das virtudes morais, removendo obstáculos, mortificando as paixões, exercitando a paciência, a abnegação, a humildade, a pureza de consciência, enfim, tudo que Cristo compendiou no Sermão da Montanha. Disto resulta a estabilidade no amor prescrita pelo Redentor, donde uma união permanente com o Criador de tudo, tendo nele sempre o pensamento, submetendo-se inteiramente à Sua vontade, subordinando todos os afetos do coração ao amor divino, estando todas as energias postas a serviço de Deus e salvação do próximo. Com efeito, quem ama a Deus deseja que Ele seja amado por todos e é nisto que consiste o penhor da redenção eterna. Tal maneira de ser é transformante. Assim como o fogo com sua atividade metamorfoseia o ferro e queima todas as suas escórias, do mesmo modo, a caridade na alma a transforma espiritualmente em Deus, a purifica de todas as mazelas e imperfeições. O amor faz semelhantes os que se amam. A caridade divina irradia a semelhança celestial nos que a possuem. Daí o aumento das energias para o bem. Lemos na Bíblia: “O amor é forte como a morte [ … ] Suas centelhas são centelhas de fogo, uma chama divina” (Ct 8,6). Eis por que quem vive tudo isto se imerge num júbilo inenarrável, alegria interna, felicidade indescritível. Passa o cristão a degustar na terra um pouco da ventura do céu, onde verá e amará a Deus como Ele Imperturbabilidade passa a gozar o coração que, desta maneira, ama o Sumo Bem. Isto está assegurado pelo salmista que assim se dirige a Deus: “Grande paz têm aqueles que amam vossa lei: não há para eles nada que os perturbe” (Sl 118,165). Para se conseguir tão excelso objetivo cumpre refletir que Deus é amabilíssimo pela sua imensa sabedoria, pela sua ampla onipotência, pelos dons que ininterruptamente concede a cada um. Eis aí o fundamento da dileção ao próximo no qual se passa a perceber ao vivo a presença de Deus, verdade muito bem lembrada por São João: “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão” (1 Jo 4, 20-21). Aí está o motivo ontológico e teológico pelo qual o amor a Deus e ao próximo estão intimamente associados. São Paulo então nos aconselha: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor recíproco; porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a lei” (Rm 13,8) e cumprir a lei é a prova do amor a Deus.