Estamos vivendo um tempo de paradoxos: se, por um lado, a humanidade se vangloria da capacidade de sua razão, das possibilidades da inteligência humana, que se julga muito iluminada e esclarecida, por outro, vemos em muitos campos o predomínio ditatorial dos sentimentos que excluem quaisquer outras faculdades humanas de seus julgamentos.
Assim, poderíamos apontar o relacionamento amoroso entre duas pessoas como um exemplo significativo do que queremos dizer.
Estamos presenciando a exacerbação da paixão de tal maneira que, em muitos casos, causa-nos estranheza a posição tomada por muitas pessoas que, em outras questões, são de um racionalismo crasso.
Alguns julgam que o fato de duas pessoas estarem apaixonadas é o bastante para justificar tomadas de posições cujos preços são impagáveis. Quantas vezes temos visto pessoas abandonarem esposa(o) e filhos com uma facilidade estarrecedora, porque dizem estar vivendo um amor irrecusável?
Por causa de um sentimento (que na maioria das vezes não passa de paixão, atração que mais tem a ver com apelos carnais do que com as exigências de um verdadeiro amor), quanta gente não tem esquecido promessas feitas diante de Deus, compromissos de uma vida toda, responsabilidades intransferíveis?
Por causa de um sentimento, que muitas vezes o tempo revela não passar de sentimentalismos, muita gente tem se esquecido de pensar a vida como passageira, como um tempo que nos é dado para semear o que mais tarde colheremos. Incentivadas, muitas vezes, por uma mídia irresponsável, que faz a muitos confundir vida real com folhetim, essas pessoas jogam tudo para o alto, para ir viver uma aventura que custará a elas e a muitos que as amam, dores atrozes.
Que tal atitude seja digna de compreensão misericordiosa em adolescentes, cuja ingenuidade diante da vida pelo verde dos anos, ainda poderíamos arrazoar, mas, quando a mesma vai arrastando grande parcela de nossa população adulta, isto é de causar-nos grande preocupação.
Será que não devemos nos perguntar se os sentimentos, sozinhos, são suficientes para dirigir nossas vidas? Aonde chegarão vidas que se deixam guiar unicamente por eles?
Acredito que se Deus nos deu outras faculdades é para que não fiquemos reféns de julgamentos parciais que podem fazer grandes estragos.
Deveria alguém que se julga apaixonado esquecer os critérios fornecidos pela fé e pela razão na hora de tomar suas decisões? Poderia deixar de pensar e se entregar aos sentimentos? E sua fé, terá que ser adequada à ditadura dos sentimentos, fazendo-a até mesmo acreditar que Deus estará abençoando algo que fará tanto mal a tanta gente?
Dizer que pelo fato de estarem se amando é o suficiente para que Deus os esteja abençoando? Não seria uma forma de apaziguar a própria consciência pensar assim? É justo com quem acreditou naquela pessoa e investiu nela todo o seu futuro, ter que se conformar com o raciocínio simplista de que se o outro está apaixonado deverá seguir seu coração?
Mas o coração é mesmo aquele que deve conduzir sozinho os caminhos de uma pessoa?
Se formos razoáveis perceberemos com facilidade quantas vezes nosso coração deseja o que não dá para assentir.
Assim, acreditamos que só sentimentos não podem levar uma pessoa aos caminhos da verdadeira felicidade, sobretudo porque estes passarão, muitas vezes pelo caminho do sofrimento para amadurecer.
Desta forma, dizer não a certas possibilidades e fechar portas que nunca deveriam ter sido abertas não é repressão, mas atitude coerente de quem deseja viver sentimentos que, de verdade, sejam consistentes e produzam vida para todos.