Purificação interior

Atualíssimas as palavras de Cristo ao alertar que todas as coisas más saem de dentro do coração humano (Mc 14,21 ss). No sermão da montanha Ele já havia declarado: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!” (Mt 5,8). Cumpre, então saber o que é um coração puro. Purificar o seu interior é deparar nele o dinamismo global unificando todos os sentimentos, todas as aspirações, todos os propósitos em torno das virtudes e não dos vícios. Uma orientação para o bem e não para o mal. Trata-se de uma atitude pessoal no uso responsável da liberdade, ou seja, uma tarefa humana realizada com o auxílio divino, dada a realidade do pecado original. Purificar, unificar seu coração é uma missão à qual o ser humano deve se entregar corajosamente sob o influxo da graça. Neste sentido o coração se torna limpo não pela ação humana, mas pela correspondência à intervenção do Ser Supremo. Isto significa que o homem livremente se deixa purificar por Deus. Esta é, aliás, a súplica de Davi: “Aspergi-me com um ramo de hissope e ficarei puro. Lavai-me e me tornarei mais branco do que a neve” (Sl 50,9) […] Ó meu Deus, criai em mim um coração puro, e renovai-me o espírito de firmeza (Sl 50, 12). A resposta encontramos em Ezequiel: “Derramarei sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações. Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36,25-26). Com um tal coração assim purificado todos os atos automaticamente serão bons, isentos de toda malícia. Deste modo para a Bíblia o coração é todo o ser humano, toda ação do homem provindo de sua vida interior. É preciso optar sempre pelo bem e deixar de lado o mal. O esforço do cristão, sua luta moral se tornam ações virtuosas todas as vezes que ele elimina tudo que é perversidade, envolvendo-se na luminosidade divina. Trata-se de um dinamismo total a serviço de Deus, arrancando-se sempre as ervas daninhas do pecado, sublimando todos os anseios da existência. Então no lugar de todos os itens da perversidade enumerados por Cristo vindos do coração pervertido, ou seja, “as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo “(Mc 5 21-23) brotam as palavras do salmo 41: “Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (v. 2-3). O cristão percebe deste modo um desejo profundo, ardente de ver a Deus, de estar na presença divina. Passa o fiel a viver no presente o que será a realidade futura na Jerusalém celeste onde, conforme atestou São João: “Seremos semelhantes a Deus, porquanto o veremos como ele é (1 Jo 3,2). Esta é a beatitude que alcança quem possui o coração virtuoso. É o que claramente proclama o salmista: “O que tem as mãos limpas e o coração puro, cujo espírito não busca as vaidades nem perjura para enganar seu próximo. Este terá a bênção do Senhor, e a recompensa de Deus, seu Salvador. Tal é a geração dos que o procuram, dos que buscam a face do Deus de Jacó” (Sl 23,3-6). Uma das provas da relação bíblica entre a pureza do coração e a percepção da presença de Deus foi o que disseram os discípulos de Emaús ao se encontrarem com Jesus Ressuscitado: “Diziam então um para o outro: Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32) Bênção e justiça deparam os que têm o seu interior purificado. Um benefício inicialmente pessoal, ou seja, a beatitude, a tranqüilidade total que depois devem ser distribuídos aos outros. Isto porque repleto dos dons divinos quem tem uma consciência limpa goza da presença divina e esta não é estática, mas dinâmica. Bem diz o axioma filosófico: “O Bem é de si difusivo”. Por tudo isto o verdadeiro cristão não permite que seu interior seja enodado pela poluição de um mundo envolto no erotismo, no desregramento ético.

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