Tomar a cruz de cada dia

Nunca se reflete demais sobre estas palavras de Cristo: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga ( Mc 8, 34). Apesar de parecerem palavras duras, elas são, na verdade, esperança e conforto. Com efeito, carregar cada um a sua cruz é um caminho de vida, por mais paradoxal que possa parecer. Não que a dor tenha um valor em si mesma, mas porque o sofrimento é uma lição, uma vez que o ser humano vive neste mundo um tempo de aprendizado e aceitar o sacrifício é se aprimorar. Não há ninguém que se conheça, enquanto não foi provado. Saber conviver com as situações penosas é condição de equilíbrio pessoal, de desenvolvimento e de autocontrole. Isto leva à superação dos instantes dolentes e fortalece para novas situações dolorosas, conferindo calma e segurança. Quanto mais alguém persevera e não desanima e nem deblatera contra a vida melhor amplia os valores humanos que devem ser continuamente cultivados. O trabalho de cada hora é sempre penoso, mas o cristão o realiza com ânimo, coragem, competência, dedicação. Por vezes, a cruz pode ficar um pouco mais pesada quando sobrevêm as doenças, as tribulações ocasionadas pelo próximo ou qualquer outra contrariedade. Neste momento, mais do que nunca, a ordem de Cristo robustece o seu seguidor que não para na caminhada, nem se entrega ao desespero. É deste modo que não se venaliza a fadiga nem o aborrecimento interno ou externo, evitando a rejeição da cruz. Então o fiel não se agita nem se inquieta, nem perde a paz quando é contrariado, perseguido ou humilhado. Deixa de ser medroso e covarde, assumindo as tarefas mais árduas sem esmorecimento e enfrentando a covardia, a perversidade e a improbidade do próximo. O espírito de comodismo que impera no contexto atual intoxica, porém, muitos espíritos, se anemia a vontade e a languidez projeta o cristão num total desalento. Ser cristão, porém, é viver um ideal de uma relação forte com Deus e que se traduz na vida de todos os dias, no comportamento de todos os instantes. Jesus ordena que se tome a cruz, ou seja, que se assumam as dificuldades que são inatas à trajetória terrena. Não se trata de sair à cata de aborrecimentos, de espinheiros, mas simplesmente conviver com tudo que custa esforço ou causa desgosto. É preciso que se diagnostique sempre a parte de imolação que se pode viver no coração da aflição até que passe a turbulência. Deste modo se evita uma resignação meramente estóica. Desta maneira, todo tipo de revolta fica banido e há lugar para uma aceitação reparadora, uma adesão redentora que purifica e pode ser colocada a serviço da conversão do próximo. É a maneira sábia de se tirar vantagem espiritual da amargura física ou moral. Muitos dramatizam seus momentos de dor, levando ao trágico o que pode ser transfigurado num instante de santificação. Nunca se lembra demais o pensamento de Santa Tereza de Ávila: “O sofrer passa, ter sofrido permanece eternamente”. Os santos faziam das contrariedades atos de amor, pois sabiam que o preço redentor do desgosto depende do grau de dileção com que é acatado. Elisabeth Leseur dizia “Creio que Deus é amor e que em Sua mão o sofrimento é o meio que o amor emprega para transformar-nos e salvar-nos”. Paulo Claudel deixou este pulcro pensamento: “Feliz daquele que sofre e que sabe para que sofre”. São Paulo, com efeito, já lembrava: “A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, nos proporciona um peso eterno de glória incomensurável (2 Cor 4, 17). Estava na trilha de São Pedro que aconselhou: “Alegrai-vos por serdes participantes dos sofrimentos de Cristo, para que vos possais alegrar e exultar no dia em que for manifestada sua glória (1 Pd 4,13). O que, de fato, ajuda muito nos pequenos sofrimentos de todo o dia é tudo ver com um olhar voltado para a eternidade. Além disto, quando alguém se sente só, triste, fatigado, em meio ao sofrimento, deve se recolher ao santuário íntimo de sua alma, e aí encontrará Cristo, que lhe será consolo, força e sustento, mesmo porque não devemos apresentar os sofrimentos a Jesus para que ele simplesmente os suprima, mas para torná-los fecundos. Não se trata, realmente, de procurar um remédio sobrenatural para o sofrimento, mas em usar sobrenaturalmente esse mesmo sofrimento. Tal será então a prece do verdadeiro cristão: “Senhor, vossa graça me basta e é ela que Vos imploro” e fica fácil transformar os espinhos da vida em pérolas preciosas para a coroa da eternidade feliz junto de Deus.

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