O despojamento cristão

O verdadeiro cristão está no mundo, mas não é do mundo. Entretanto, como não se pode abandonar tudo o que é terreno, cumpre possuir os bens materiais, mas não se deixar possuir por eles.

É este o sentido das palavras de Jesus: “Qualquer um de vós, se não renuncair a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). É que os bens não podem prender o seguidor de Cristo nesta terra de exílio, escravizando-o. É preciso que a alma espiritual de cada um domine o que se tem, de tal forma que as coisas materiais não sejam os donos da vida daquele que marcha para a Jerusalém do alto.

O dom da Ciência leva o cristão a se utilizar das coisas visíveis, mas sem perder as riquezas eternas. Para isto o recurso é lançar um olhar liberto sobre o que se possui, considerando isto como dom de Deus, simples instrumento em vista da própria subsistência e da ajuda ao próximo. A atenção do epígono de Jesus se volta para a Casa do Pai, para a qual ele caminha, bravamente, com esperança e alegria.

Isto leva a que se extirpem radicalmente os vícios não apenas dos atos, mas todos eles arrancados até do pensamento, do íntimo do coração. A riqueza colocada a serviço dos prazeres mundanos, do fogo da ambição, da veemência da ganância, afasta o batizado de seu destino eterno. É sabedoria usufruir de tudo que Deus concede de tal forma que isto sirva ao corpo, sem de modo algum prejudicar a alma.

Então o cristão usa do mundo como se não o usasse, colocando em função da vida eterna todas as coisas necessárias, sem, todavia, consentir em ser por elas subjugados. Não se escravizando ao que é material, jamais se embota a intenção da alma unicamente voltada para o alto. Os bens então não são divinizados, mas usados. Assim sendo, nada esmorece o desejo do espírito, nenhum gozo deste mundo embaraça o roteiro rumo ao céu, onde estão bens ainda melhores.

É bom sempre pensar que na eternidade está o maior objeto do amor, lá onde habita o Ser Supremo, anjos e santos, e do temor, onde mora Satanás e os anjos infiéis, e assim não se apegará ninguém ao transitório. Bem ensina a Bíblia: “Em tudo o que fizeres, lembra-te de teu fim, e jamais pecarás. (Ecl 7,40).

O despojamento leva então à recuperação dos valores ascéticos da vida espiritual, ou seja, o colocar em prática o que Jesus ensinou: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt 10,38). Trata-se da disciplina de vida que inclui o desapego exagerado das coisas, para que reine o homem espiritualizado. Este é moderado em tudo, pois come para viver e não vive para comer. Jamais gasta com algo supérfluo e inútil. Purificando os seus sentidos e seu espírito, o cristão saboreará grande paz e tudo se transforma em meios para a posse mais total de Deus que é o Bem Supremo.

Toda atividade sensível fica tendo como referencial a salvação eterna. Tal foi um outro conselho de Cristo: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração (Mt 6,19-21).

Deste modo, o despojamento sob todas as suas formas leva à plenitude da paz interior, fruto da busca do que está além das fronteiras do tempo e que se acha lá na eternidade. Isto não leva à alienação, à indiferença pela tarefas cotidianas, pelo contrário, aumentada a eficiência pessoal e até profissionalmente o indivíduo passa a ganhar mais, mas sem ganância e tem oportunidade de bem cuidar de si e dos mais necessitados.

Desapego não é conformismo, mas aplicação sábia de tudo que se tem e se passa a ter; não significa rejeitar o mundo, mas olhá-lo na sua dimensão eterna. Jesus tira seu seguidor do apego aos valores deste mundo para o fazer ingressar no Reino celeste. Trata-se de se ter uma valiosíssima herança não no planeta terra, mas nos palácios do grande Rei.

O desapego, a renúncia levam a seguir a Jesus sem tergiversações, dubiedades, como um rio que corre lentamente, rio que transporta amor, compaixão, caridade, envolvendo o ser humano na mais absoluta imperturbabilidade.

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