O falso Concílio dos teólogos liberais e as suas desastrosas consequências

A renúncia do Papa Bento XVI iniciou um processo de reflexão sobre a situação da Igreja no mundo. O Santo Padre, no seu discurso ao clero da Diocese de Roma[01], lamentou os resultados de uma “hermenêutica da ruptura” sobre os textos do Concílio Vaticano II, interpretação essa que contou com o apoio dos meios de comunicação para se difundir. O efeito de tal pensamento foi catastrófico. Nas palavras do Papa Emérito, os frutos foram estes: “seminários fechados, conventos fechados, liturgia banalizada…” De fato, essa não era a intenção do Concílio, mas ao invés da primavera que se anunciava após o seu término, o que veio foi a nebulosa “fumaça de satanás” denunciada por Paulo VI.

Neste sentido, o Ano da Fé proclamado por Bento XVI é uma oportunidade ímpar para se pensar a respeito do que realmente propôs o Concílio Vaticano II. Expressar a continuidade do Magistério da Igreja e contemplar o passado para recolher dele as bases da nova ação evangelizadora. Era mais ou menos com essas palavras que o Beato João XXIII abria o Concílio há 50 anos. Palavras que, sem sombra de dúvida, representam um ideal bem distante do elucubrado pelos ideólogos do “Espírito do Concílio”, um espírito que em última instância se comporta como um anti-concílio.

Por conseguinte, a questão principal a se entender neste tema é que esse “Espírito do Concílio” é um movimento criado por teólogos liberais e pela imprensa. Nada tem a ver com a verdadeira letra do Concílio Vaticano II. Na verdade, sua expressão é a de um humanismo sem Deus, no qual a transcendência cristã é quase que posta de lado e substituída por alguns espasmos espirituais. Em tese, é a total aliança do homem com a mentalidade moderna e anti-cristã. Aliança, vale lembrar, duramente criticada por teólogos que tiveram grande peso durante o Concílio como Hans Urs von Balthasar.

No entanto, apesar da sua verve revolucionária e notoriamente anti-católica, foi o “Espírito do Concílio” que obteve a primazia sobre a opinião pública, mesmo dentro da Igreja. Isso se explica, sobretudo, pelo fato do Concílio dos meios de comunicação ter sido o mais acessível a todos. Portanto, como ressaltou Bento XVI, “acabou por ser o predominante, o mais eficiente, tendo criado tantas calamidades, tantos problemas, realmente tanta miséria”.

Por outro lado, debitar na conta do “Espírito do Concílio” todos os males surgidos dentro da Igreja nesses últimos anos também seria exagerado, embora, a sua contribuição para o processo de desfiguração do rosto do cristianismo diante da sociedade tenha sido decisiva. Basta se observar a atual situação das nações de antiga tradição católica para se ter uma noção do estrago. A título de exemplo, veja-se os casos de vendas de antigas catedrais para se tornarem “hotéis” ou “casas de show”, como tem ocorrido na França e em outros países europeus. Ou então a implosão demográfica pela qual está passando a Europa como um todo, devido às suas políticas de controle da natalidade. Ou, sem ir muito longe, aqui mesmo no Brasil, onde a falta de zelo pastoral e o sequestro da liturgia para transformá-la em propaganda política ou espetáculos circenses tem aberto cada vez mais espaço para o avanço das seitas.

Bento XVI, em sua autobiografia, afirmou que a crise pela qual a Igreja passa hoje “é causada em grande parte pela decadência da liturgia”. O Papa Emérito criticava o modo como se é celebrado a Missa em tantos lugares, que é quase como se Deus não existisse. O seu diagnóstico é de uma precisão quase cirúrgica: a grande tragédia da Igreja e do mundo é o abandono de Deus. Não obstante, ao mesmo tempo em que o “Espírito do Concílio” fez tantos estragos, ele mesmo se encontra hoje em um processo de franca decadência: “passados cinquenta anos do Concílio, vemos como este Concílio virtual se desfaz em pedaços e desaparece, enquanto se afirma o verdadeiro Concílio com toda a sua força espiritual” (Cf. Discurso de Bento XVI à Diocese de Roma).

Sob essa ótica, os oito anos de pontificado de Bento XVI foram realmente providenciais, pois despertaram nos fiéis aqueles típicos sentimentos católicos: a devoção mariana, o amor à Eucaristia e a fidelidade ao Santo Padre. Embora ainda seja um movimento tímido, esse grupo de fiéis que tem buscado viver a fé católica de forma plena é vigoroso e está em ascensão. Ademais, é majoritariamente constituído por vocações jovens, ao passo que as instituições progressistas agonizam. Os escombros das revoluções e o fracasso de uma espiritualidade vazia, na qual o homem é quem está no centro, foram o suficiente para iluminar a visão dessa nova geração quanto à falsidade do tal “Espírito do Concílio”. Bento XVI convocou o seu clero – e, consequentemente, a todos os católicos – para que neste Ano da Fé o verdadeiro Concílio Vaticano II fosse aplicado e se tornasse realidade viva dentro da Igreja. Aos poucos, essa resposta já está sendo dada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *