No mês passado, o dever me levou a uma viagem importante à Europa: Alemanha, Luxemburgo e França. Quero partilhar com os amigos e amigas um pouco do momento final, ou poderia dizer central, da minha passagem por aquele Continente – a participação na cerimônia de Beatificação dos pais de Santa Teresinha do Menino Jesus, Luís e Zélia Martin. As festividades ocorreram em Lisieux, a pequena cidade onde viveu a família Martin, após a morte da mãe. A família Martin-Guérin veio de Alençon, cidadezinha da mesma região da Normandia, norte da França, onde nasceram todos os filhos, inclusive a caçula, Teresa Francisca, a Santa Teresinha.
O milagre reconhecido para a Beatificação foi a cura do menino Pietro Schiliro, nascido em Milão, no ano de 2002, com graves problemas respiratórios e desenganado pelos médicos, após 40 dias de internação. Ele é hoje uma criança de seis anos, saudável e alegre, que assistiu a toda a cerimônia, juntamente com seus pais.
Participaram da Cerimônia cinco Cardeais, dentre os quais o celebrante principal, Cardeal José Saraiva Martins, de Portugal, Prefeito Emérito da Congregação para as Causas dos Santos e Legado do Papa Bento XVI. Sendo eu o único Bispo brasileiro lá presente, tornei-me, de certa forma, representante do nosso país, naquela ocasião. Havia, também, cerca de 50 bispos, majoritariamente da Província Eclesiástica de Rouen, na região da Normandia, e mais de 600 padres.
Dentro da Basílica, destacava-se a maciça presença e a piedade daqueles sacerdotes. Isto comprova a predileção de muitos deles pela doutrina e o modelo de santidade que Teresinha deixou, também através do testemunho dos próprios genitores, beatificados como modelos de pais de família. Aprofundar-se no seu exemplo contribui para aprofundar o próprio ensinamento teresiano.
Luís e Zélia Martin desejaram ser religiosos, quando ainda solteiros. Mas sua grande docilidade à palavra de Deus e à prática religiosa os conduziu à vocação que lhes estava reservada – o Matrimônio. Ao longo de 19 anos de uma vida conjugal, profundamente afetuosa, fundaram uma família alicerçada no amor a Deus, e consolidada pelo nascimento de nove filhos, dos quais quatro morreram ainda pequeninos. As cinco filhas que chegaram à idade adulta tornaram-se, todas elas, religiosas – quatro Carmelitas e uma pertencente à Ordem da Visitação (Visitandina).
Em nossos dias, pelo exemplo de vida cristã, esse casal torna-se, a partir de agora, modelo proposto pela Igreja aos esposos católicos. Eles são o segundo casal de pais de família beatificados em conjunto, apenas precedidos pelos esposos Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi (italianos), beatificados em 2001.
Luís e Zélia Martin também nos deixaram muitos outros exemplos, dentre os quais, a dedicação ao trabalho e a competência profissional. Zélia era perita no artesanato do Point d”Alençon, um tipo de renda característica daquela época, muito valorizada pela beleza e o acabamento. A produção de sua fábrica tinha mercado garantido em Paris. Luís era relojoeiro. Possuía um comércio de relógios e joalheria, que ele, posteriormente, deixou, para gerenciar a fábrica de rendas da esposa, que empregava vários funcionários.
Zélia Martin faleceu aos 46 anos, após longo sofrimento, provocado por um câncer de mama, com metástase, que invadiu todo o seu corpo. Entretanto, a melhor recordação que temos dela é a de uma personalidade alegre e expansiva, conforme nos mostra o estilo de suas cartas. Um bom número dessas cartas foi preservado, algumas escritas aos familiares, outras em ocasiões especiais de sua vida, e 4 endereçadas ao esposo.
Infelizmente, do beato Luís restou um menor número de cartas: apenas duas escritas à esposa e diversas outras dirigidas, especialmente, às suas filhas carmelitas. Teresinha teve com ele uma convivência bem mais longa do que com a mãe. Além dos 15 anos em que viveu na casa paterna, mantinham contato através de correspondência e de visitas do pai ao Carmelo. As cartas de Zélia e os textos de Teresinha nos revelam um esposo e pai dedicado, participante da educação das filhas, e disposto a consentir no projeto de vida religiosa de cada uma delas. Imaginemos o que significou para aquele santo patriarca a oferenda de toda a sua família a Deus. Depois da entrada de Teresinha no Carmelo, Luís começou a manifestar sinais da doença, que evoluiria por vários anos, até levá-lo à morte, aos 71 anos de idade.
Uma fé profunda animava aquela família, embora marcada sempre pelo sofrimento. Emocionei-me, mais uma vez, ao rever o lugar onde viveram, e que me recordou tantos momentos da sua história. Lembro-me da irmã mais velha, Maria, que foi a primeira mãezinha à qual Teresa se apegou, após a morte de Zélia. Depois a próxima filha, Paulina, segunda mãezinha de Teresa, quando Maria entrou para o Carmelo. Tal seria, também, o destino de Paulina, deixando Teresa quase inconsolável.
A terceira filha dos Martin foi Leônia, diferente das demais em personalidade e vocação. Tendo escolhido a vida religiosa na Ordem da Visitação, saiu do convento, para voltar, posteriormente. Quando o pai ficou muito enfermo, e só restava Celina – a penúltima filha – para cuidar dele, Leônia deixou o convento, ainda uma vez, para se ocupar, juntamente com a irmã, da saúde do pai. Após a morte deste, ela entrou, definitivamente, na Visitação e lá chegou a morrer em idade bem avançada, como uma santa religiosa.
Celina, embora mais velha do que Teresinha, foi a última das irmãs Martin a assumir a vida religiosa, pois acompanhou o pai até o seu falecimento. Grandes amigas e companheiras de infância, ela nos legou preciosas informações sobre sua irmãzinha menor e seus escritos, chegando a anotar, até, as últimas palavras de nossa querida Santa.
É interessante notar que Santa Teresinha morreu aos 24 anos, enquanto todas as outras irmãs atingiram idades em torno de 80 anos. Certamente, Deus lhes concedeu o tempo de aprofundar e divulgar a riqueza da doutrina que a mais jovem Doutora da Igreja nos deixou, e da qual elas foram as primeiras depositárias.
Tudo isso é admirável e, para mim, foi motivo de alegria poder partilhar, naquela oportunidade. Quantas lembranças de outras visitas a Lisieux, quando caminhei ao redor dos muros daquele lindo Mosteiro! Como Arcebispo, tive a honra de visitar o quarto de Santa Teresinha. Muito pobrezinho! Cama simples, mesinha em que ela escrevia, sentada no chão, lamparina de querosene e aquecimento muito rudimentar, sobretudo para o frio intenso da Normandia.
Mais uma vez refleti sobre a obra maravilhosa que Deus realizou naquela família, e continua realizando, especialmente, através de Santa Teresinha e de seus pais. Ela própria afirmara: “Tive pais que eram mais do céu que da terra”.
D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Fonte: Jornal do Commercio – RJ