A lição do Domingo de Ramos

A entrada solene de Jesus em Jerusalém foi um dos espetáculos mais gloriosas que a História registra. O Evangelista desceu a detalhes: “Enquanto Jesus passava, o povo ia estendendo suas roupas no caminho. Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, aos brados e cheia de alegria, começou a louvar a deus por todos os milagres que tinha visto” (Lc 19 36-37).

A aclamação era significativa: “Bendito o rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!”.Surge então a grande questão: Como é que Jesus sendo Deus e, portanto, sabendo que iria ser crucificado e objeto de zombaria daquele mesmo povo permitiu aquela consagração? Ele via por detrás dos braços que no ar o aplaudiam o fulgurar das espadas e o levantar de punhos cerrados a clamarem pela sua crucifixão. Qual a razão pela qual Ele permitiu todo aquele alvoroço, toda aquela festa?

Na resposta está a grande lição deste Dia de Ramos. É que Ele queria ensinar que podemos aceitar a consagração humana, mas devemos sempre desconfiar dela. Ele desejava mostrar qual o verdadeiro valor do triunfo terreno. Ele almejava alertar seus seguidores sobre qual a autêntica conquista que deveriam buscar, oferecia uma verdadeira filosofia de vida a seus epígonos.

É inato ao ser humano o anseio pela gratidão, pelo reconhecimento, pela glória. Lançado em terrível desgraça pelos deuses Ulisses, rei lendário de Ítaca, passou por transes os mais cruéis. Seu pensamento, porém, estava continuamente no seu reino, onde receberia com Penélope, sua esposa e com Telêmaco, seu filho a glorificação pelo seu triunfo em Tróia.

Isto lhe deu ânimo e vigor na disputa com Ájax, fez com que ele vencesse o gigante Polifemo e escapasse das insídias de Circe, não o deixou seduzir pelo canto das sereias. As tempestades do mar não o detiveram, pois estava ansioso pelas honras de súditos. O homem é assim: o desejo da glória o atrai, a admiração dos outros o encanta, o aplauso o deslumbra. Imortalizar-se em obras “mais perenes que o bronze” o arrebata. Isto, afastado o vão orgulho, a vaidade simplória, a detestável arrogância, a antipática petulância, é um bem.

Com efeito, tais aspirações projetam ser humano a conquistas grandiosas que fazem os sábios, os heróis dos altares pátrios, os cientistas famosos, os gênios extraordinários que, olhos fixos na consagração de seus contemporâneos e pósteros, pontilham o mundo com seus feitos memoráveis. Os triunfos terrenos, porém, são ilusórios. São sombras que passam, névoa que os lábios da inveja logo dissipam, nuvens que se desfazem, seta luminosa que fende os ares e logo se apaga, meteoro que depressa desaparece, flor que breve se emurchece. São passageiros e imediatamente são olvidados, lançados no esquecimento.

O mesmo sol que os contempla pela manhã os vê fenecer à tarde. Os homens são em todos os tempos os mesmos: mudam-se rapidamente seus sentimentos, suas apreciações, suas atitudes e hosanas se transforma em brados de morte, como aconteceu com Jesus. Eis aí a grande lição do dia de hoje. Na terra misturam-se o bem com o mal, o encômio com a injúria, a ventura com o desar, a alegria com a tristeza, a aclamação com o ultraje, o elogio com a calúnia.

A rainha das flores, a rosa, é bem o símbolo desta realidade. Os espinhos circundam a beleza desta flor como que patenteando a vida humana. Então, como não há nesta vida rosa sem espinho, nem pérola sem limo ou prata sem liga, nem sol sem sombras, nem céu sem nuvens, nem peixes sem espinhas, assim não há glória terrena sem o travo dos ultrajes. O triunfo humano conhece sempre o fel da humana inveja. Isto acontece com rapidez impressionante, pois, se no decorrer do ano há inverno e verão e entre eles muitos meses; dia e noite e entre eles vinte e quatro horas, para existirem o elogio e o desprezo, hosanas e gritos de morte, loas e injúrias basta um instante.

Portanto, o que cada cristão deve aspirar é sempre o aplauso de sua consciência quando pratica o bem, sem se importar com os juízos humanos. Cristo conhecerá o seu verdadeiro triunfo após os tormentos da Cruz. É pela cruz que se chega à gloria verdadeira! Eis porque a liturgia da Missa do Domingos de Ramos apresenta a narrativa da paixão e morte do Redentor.

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