Qualquer abordagem sobre o duodécimo bispo e quarto arcebispo de Mariana por certo ficará sempre aquém dos múltiplos gestos traduzidos numa ampla jornada de ação, brotada de um ser que nunca pensou em si, pois se ocupou sempre do bem estar de seus semelhantes.
O perfil de DOM LUCIANO PEDRO MENDES DE ALMEIDA pode facilmente ser comparado ao de grandes personalidades que marcaram a história. Referir-se a ele, nos faz pensar numa Madre Teresa de Calcutá, em São Francisco de Assis, etc. Basicamente todos estes, na verdade, nos remetem a JESUS CRISTO. Deparamos aqui com o amor feito doação.v
DE ONDE NOS VEIO ESTE DOM
Da cidade maravilhosa. Não somente para os meandros da Igreja, mas para o mundo contemporâneo, floresceu um ser enamorado pela vida. O Rio de Janeiro era a capital do país, quando aos 5 de outubro de 1930, o lar do casal Cândido Mendes de Almeida e Emília de Mello Vieira Mendes de Almeida se enriqueceu ainda mais com a chegada de um novo filho. A avó logo invocou a intercessão de Nossa Senhora de Lourdes, para que a vida prevalecesse quando a saúde corria risco. Foi assim que a Mãe de todos nós o quis conservar para o bem de incontáveis futuros beneficiados.
Seu nome, uma mensagem e uma missão: LUCIANO PEDRO. Portador da luz de Cristo sustentada a punho alto, capaz de clarear os caminhos não só de indivíduos, mas de iluminar o rosto que a Igreja veio alcançando em seu País e no Continente. A Igreja na América traz muito dos raios que espargiram deste tocheiro luminoso. Luz e Pedra. Divina e preciosa. Revestido de Cristo, sua firmeza não se baseava jamais em arrogância ou qualquer lastro de negligência. Uma segurança que sempre soube esperar. Não desistia, nem perdia a ternura. Sabia, porém, flexibilizar-se diante do que o Senhor lhe falava ao coração.
Seu veio cultural conservou as raízes do que aprendeu no douto lar; no primeiro grau que cursou no Colégio Santo Inácio, RJ (1941-45); no segundo grau, no Colégio Anchieta, Nova Friburgo, RJ (1946-50); na Filosofia, ainda em Nova Friburgo, na Casa de Formação dos Jesuítas, (1951-53). Como águia feita para vôos mais altos, seus superiores o enviam para Roma, onde cursou a Teologia, na Pontifícia Universidade Gregoriana, (1955-59). Seu percurso acadêmico foi coroado com o Doutoramento em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma/Itália (1960-65). De lá até o fim de sua vida, aos 27/8/2006, nunca deixou de aprender e ensinar.
EM QUE POSSO AJUDAR
A filosofia parece ter ampliado ainda mais, em Dom Luciano, sua paciência e bondade. Ele soube perguntar e ajudar a fazer perguntas. Manteve o diálogo sempre aberto. Não importa com quem; dos mais fragilizados em seu pensar até os mais astutos interlocutores. Nunca soube que fechasse a porta para quem quer que seja. Dos mais afastados aos mais cansativos. Todos encontraram oportunidade de pensar junto com ele.
Sua tese de doutorado, em 1965, “A Imperfeição da Inteligência Humana”, retrata bem o seu modo de ser. Alguém que soube se curvar diante da Verdade. Teve um coração de quem sabe baixar o olhar, estender as mãos e, revestido de humildade, dizer a respeito de sua própria contingência ao Deus de sua fé. Soube confiante erguer a cabeça, esboçar um sorriso e com os olhos brilhando dizer: obrigado Senhor!
Esteve sempre pronto a repartir com os outros o que sabia e podia. Foi ao encontro de cada pessoa onde ela estivesse. Impressionava pela lucidez da reflexão sobre a conjuntura social, econômica, política, religiosa e cultural de cada época. Participou de todos os Sínodos em Roma, após o Concílio Vaticano II. Apresentou intervenções eficientes nas assembléias em que tomou parte em nível nacional, internacional e quaisquer outras iniciativas em todos os níveis. Seu referencial foi constantemente o ser humano. É quando de tais lutas pela vida, que o pudemos conhecer melhor em suas enormes capacidades e grande preparo. Com seus dons abalou colossais estruturas quando estas agrediam a vida.
FELIZ POR FAZER O BEM AOS OUTROS
Quem conheceu Dom Luciano sabe que ele tinha uma chama interior. Uma luz que fazia brilhar uma alegria. O sorriso que esboçava tinha ressonância em seu ser. Um escudo que o mantinha forte, mesmo se o mar estivesse tempestuoso. Uma cantiga que ele entoava junto com Deus. Quando sua acolhida deparava com alguém contente, sua canção vinha à tona. Deve ser por isso que ele agüentou a poeira das estradas, as distâncias, a turbulência dos vôos e a canseira que lhe causamos com nosso corpo pesado e passos lentos… Mas ele soube nos esperar, nos animar… Ele aprendeu a nos amar. Sempre foi treinado nisto. Soube cultivar o aprendizado constante de amar as pessoas. Acolheu a todos, porque foi fiel aluno do Bom Pastor. Amou sempre, mesmo quando precisava fazer e refazer caminhos para que todos se sentissem acolhidos pela alegria de viver.
Sem a iluminação do Bom Pastor, dificilmente compreenderíamos como Dom Luciano soube valorizar os seres humanos. Todos! Podia ser a comunidade mais humilde e simples. Ele sabia aterrissar de corpo e alma onde ele se encontrava. Seu cotidiano foi feito de atenção constante a todos. Além de dar importância e respeitar a dignidade de cada pessoa, ele foi além: A gratuidade deste amor o colocava como um irmão, um amigo que facilmente se posicionava como que abaixo das pessoas. Esta foi sua vida. Faz-nos recordar o testemunho de Jesus descrito no texto de Filipenses: “esvaziou-se de si mesmo…” É desde aí que ele se pôs a caminho com seu semelhante.
Expôs e deu sua vida por nós. Passou noites em claro com quem estivesse precisando dele. Morria em seus objetivos pessoais. Despojava-se constantemente de qualquer exuberância. Sentia-se envergonhado quando posto em destaque, pois da janela de sua alma estava olhando para os mais enfraquecidos. Estava constantemente envolvido em gestos espontâneos que nos faziam corar o rosto diante de nossos enganos e ilusões. Teve consciência de sua missão e, por isso, soube fazer-se pequeno.
ENAMORADO DO ESSENCIAL
Eu gosto de ficar imaginando as entrelinhas do percurso histórico de Dom Luciano desde sua infância, passando pelo convívio com os livros até o exercício do ministério, ensinando nas escolas e, nestes últimos 30 anos, como Bispo. Há uma história que pode ser narrada que prossegue dos tempos de estudante, (1941-65), época em que foi ordenado presbítero, (5/7/1958), após a defesa da tese, seu retorno ao Brasil, como Professor de Filosofia (1965-72); Instrutor da 3ª Provação para Sacerdotes Jesuítas (1970-75); na Conferência dos Religiosos do Brasil (1974-75); como Bispo Auxiliar na Arquidiocese de São Paulo e responsável pela Pastoral do Menor (1976 –88); Secretário Geral da CNBB por dois mandatos (1979-86); Presidente da CNBB, também por dois mandatos, (1987-95); vice-presidente do CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano, (1995-98); Membro da Comissão do Secretariado para o Sínodo, (1994-99); Membro da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz, (1996-2000); Delegado à Assembléia Especial do Sínodo dos Bispos para a América por eleição da Assembléia da CNBB e confirmado pelo Papa João Paulo II, (1977 e 2005) e, finalmente, para maior glória de Deus e grande felicidade para esta porção do Povo de Deus que está na Igreja Primaz de Minas Gerais, Arcebispo de Mariana, (1988-2006). Em toda sua trajetória, o cotidiano a gente percebia rápido: colocava-se ao lado dos que com ele estão a caminho. Que se tratava de um bom filho, excelente aluno, exímio professor, grande sacerdote notava-se em seu jeito de ser. Uma história marcada pela eficiência e exemplar abnegação. Compaginada com esta biografia, estava uma espécie de “generosidade transbordante”. Aqui a gente vislumbrava o místico que não perdeu seu encanto. É como se ele tivesse ocupado este tempo tocando violino, (já ia adiantado nesta arte), ou jogando xadrez como bem o sabia fazer. Não. O violino, ele nunca nos disse o deixou. O xadrez ficou na saudade. Sua arte e lazer transbordaram em uma criatividade e percepção para com “OS QUE NÃO PODEM”. Altruísmo, inteligência, habilidades, eficiência e todo o seu ser não se importava de que o avançar das horas o fizesse emendar um dia com o outro. Bastava que alguém estivesse precisando. Não importava se fosse um bêbado, um alucinado, um mendigo… Ele sabia entrar no tom certo, mexia com a peça certa, na hora exata… Hora? Não, para ele o tempo não contava… Neste jogo, nesta sinfonia, mais do que nos outros, ele bem soube esquecer-se do tempo…
As entrelinhas da história deste místico, que soube contemplar o amor de Deus, foram marcadas por episódios interessantes. Por este “Brasilzão” afora correm muitas histórias edificantes e até pitorescas de Dom Luciano…
Ele construiu a morada de seu ser como o contemplativo de Deus e viveu enamorado do essencial. Nunca o vimos em desgaste com o acessório. Ocupado do Absoluto, estava em constante disponibilidade e aberto a todos e a tudo. Por isso não só acolhia quem chegava, mas sabia achegar-se para acolher. Uma luz. UMA LUZ QUE FOI MORAR LÁ NO CÉU!